terça-feira, 8 de setembro de 2015

Coração de Escuridão

Da autoria de Lerissa Kunzler

     E, de repente, tudo escureceu.
     Não era apenas a noite chegando com suas garras escuras e afiadas, era mais.
     Não havia mais brilho nos olhares. Não havia mais a luz aconchegante que outrora escapava pelas cortinas das janelas. Não havia mais sonhos, restava apenas a escuridão, que chegava a tal ponto de se tornar palpável, como algo sólido e vivo.
     Não haviam mais sorrisos. Estes davam lugar a uma carranca rígida, sem emoção alguma, endurecida pelo temor agora tão constante.
     Não havia nem sequer luar e ninguém podia ver nem mesmo para onde estava indo. Todos se tornaram cegos do dia para a noite e, em meio a tanta escuridão, não podiam ver nem as próprias mãos.
     A escuridão era tanta que parecia uma fumaça que adentrava lentamente na mente de cada um e apagava a imagem dos amigos e das coisas vivas e cheias de luz. Naquela escuridão toda qualquer sombra era suspeita, qualquer suspiro sobressaltava os corações. Os sentidos se aguçaram. Qualquer murmúrio era plenamente audível. Qualquer movimento podia ser sentido. Farejado.
     Os campos tão verdejantes e floridos tornaram-se obscuros e tomados por uma neblina tão espessa que nenhum raio de luz poderia atravessar. Os postes se apagaram, os fósforos não mais acendiam e as velas derretiam antes mesmo de serem lembradas. 
     Essa era a atmosfera daquele coração sombrio e cruel, por onde a luz não mais habitava e onde, outrora, há muito tempo, houvera cores e sentimentos.
     Porém, aconteceu. No fundo de todo aquele mar negro e aquele céu tão escuro quanto o que quer que exista de mais escuro no mundo, surgiu algo. Uma pequena, pura e límpida estrela. Era uma esperança quase sem forças, mas a estrela pequenina era corajosa e valente.
     Aquele coração teria agora uma escolha. Ou permitiria que a escuridão do mar engolisse aquela última esperança ou então lhe daria forças para que, por meio daquela, outras pequenas estrelas pudessem surgir e fortalecerem umas às outras.
     Seria a última escolha, a decisão definitiva. Se aquele coração negro destruísse a força da pequena estrela, as outras também pereceriam e ele se afundaria em um negrume de destruição.
     Mas a esperança estava ali. E, mesmo pequena e fraca, aquela estrela representava uma força enorme diante de tanta escuridão. Era a lembrança vívida de uma época de luz, de cores, amores, sentimentos, sensações. De súbito, ela começou a espalhar ao redor de si as boas recordações de um tempo ido. 
   O ar pareceu se encher de uma melodia risonha, tornou-se menos abafado, inclusive. Lágrimas grossas começaram a escorrer pela superfície do coração negro. A escuridão pareceu vacilar. Tudo se tomou de uma expectativa palpável, enquanto o mundo esperava.
     E mais estrelas foram surgindo, tornando o céu sorridente. Pequenos rastros de luz foram se espalhando. As lágrimas que escorriam limpavam a escuridão e traziam uma nova chance.
     A chance de recomeçar.
Por Lerissa Kunzler

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